segunda-feira, 22 de outubro de 2012

os domingos.

bolachinhas de banana desidratada e uvas passa
Nunca gostei dos domingos. 
Normalmente, quem me ouve dizer isto, ri-se, acha uma esquisitice e pergunta porquê. Bem, a verdade é que não é desde sempre. Quando eu tinha doze anos, a minha irmã mais velha arrumou as malas e rumou até à universidade. Ao início havia aquela alegria de ficarmos com um quarto maior, mas à medida que as semanas se iam repetindo, deixámos de pensar nisso. A sexta era maravilhosa porque não só significava que até segunda não havia escola, mas também deixava adivinhar um fim de semana em que tudo regressava ao normal. 
O almoço de domingo era recheado de coisas boas porque, a meu ver, era a única refeição da semana com um guloseima ( um bolo ou um pudim) para sobremesa. O que comíamos não variava muito entre a carne assada ou estufada, mas era diferente porque à semana não constavam no "menú". Não me consigo recordar se a minha irmã ficava em casa a estudar ou ia dar uma "voltinha" connosco, mas sei que o final da tarde trazia com ele uma angústia a crescer. 
Ver a minha irmã subir para o comboio, para voltar à sua rotina universitária, era tão triste. Havia sempre um pedaço de mim que ia com ela. A casa ficava com menos luz, preparávamos a mochila e tínhamos que ir para a cama cedo para regressar às aulas. E, em vez de alegria pelo começo de mais uma semana, havia melancolia.
Quando chegou a minha vez de ir para a universidade, pensei em como se sentiria a minha irmã mais nova ao ver-me partir todos os domingos. Para iludir o dia, torná-lo menos saudoso, comecei a trabalhar num clube de vídeo. Tinha aquela falsa impressão de que se não estivesse em casa, não sentiriam tanto a minha falta quando entrasse no comboio ou, eu própria disfarçaria o sentimento de anos passados.
Durante muitos anos, trabalhei aos fins de semana. Não me incomodava. Mas, ao mesmo tempo afastava-me de poder estar com os amigos que tinham sempre folga aos fins de semana. Então, voltei  a querer ter sábados e domingos! 
Ontem, fui passear com o N. Um verdadeiro passeio de domingo. Passámos o dia cheios de sono por acordar tão cedo, mas resistimos à chuva, ao frio e ao vento, por um bom dia, na companhia um do outro. Quando apanhámos o comboio, para cada um regressar aos seus destinos, sentei-me à janela a pensar que os domingos são dias curtos e que, quando há despedidas em comboios, ainda são mais curtos...
Para me vingar dessa sensação misturada de inverno, fiz estas bolachas de banana desidratada e uvas passa. São tãoooo boas! O conforto que trouxeram, juntamente com um chá, fez-me ter vontade de criar uma nova tradição para os domingos ao final do dia: fazer bolachas! Por isso, mesmo que haja comboios, despedidas ou domingos maus, passo a fazer bolachas!

Boa semana,
cf

domingo, 7 de outubro de 2012

guia-me, Carlota.

guia-me, Carlota, peço eu. 
com um sorriso nos lábios e uma emoção díficil de esconder, Carlota, aventura-se comigo, por uma cidade cheia de mudanças que não gosta. a tendência para falar  no antigamente aloja-se nos ossos de tal maneira, que se torna impossível observar as ruas sem o novo olhar que elas precisam. 
todos os dias, na nossa cidade ou vila, passamos por mulheres como a Carlota e não as vemos. sabemos que estão lá, que apontam para a nossa passada apressada de quem tem sempre mil coisas para fazer sem poder olhar para o que as rodeia, mas preferimos olhar para tudo o resto. não cedemos algum do nosso tempo para ouvir. são mulheres que conhecem os recantos todos da sua cidade, que nasceram nela, que sobrevivem nela, que não se cansam dela, e que acumulam cicatrizes de uma vida dura.
hoje, a Carlota é a protagonista do nosso encontro. confio nela para me guiar pela sua cidade. com uma cicatriz visível no pé, não abranda o passo porque se sente feliz por partilhar. ouço-a a falar da mãe, nunca do pai, da falta que ela lhe faz desde que partiu quando ela tinha dez anos. toco-lhe nas costas e sinto as lágrimas todas acumuladas, as que teve que esconder para sobreviver. "se a minha mãe ainda estivesse viva, nada disto me tinha acontecido", e eu sei que esta frase podia indicar o início ou o fim da sua história porque nela reside a esperança de um salvamento que nunca chegou a ser concretizado.
 
os seis filhos porque "meia dúzia é sempre melhor" são o retrato de um casamento que Carlota teve a coragem de pôr um ponto final. 28 anos a aguentar maus tratos. fico sem palavras, sem saber o que dizer porque qualquer capa de super herói que tentemos vestir torna-se singularmente ridícula face à coragem desta mulher. 
não sei o nome das ruas, interessa-me mais o que ela conta acerca delas. passamos por um túnel que ela prefere à vista da ribeira. "não tem interesse nenhum, mas eu gosto de passar aqui. ver e ser vista, entende?", sim, entendo, mas não entendo. há um barulho ensurdecedor dos carros a buzinar, uma poluição que se entranha na pele, uma espécie de demência momentânea. olho para ela e está a sorrir. às vezes sabe bem não nos ouvirmos, deixar baixar o som do nosso ruído interior.

vamos até à ribeira e fico encantada com a felicidade de a ver regressar à época em que com cinco/seis anos, vinha para o rio lavar a roupa e, para poder banhar-se nas águas, fingia que a roupa se afastava e tinha que nadar até ela. fala das peixeiras que ali vendiam e que foram trocadas por vendedores de artesanato, dos "tascos" que foram substituídos por esplanadas para turistas, das mercearias que vendiam arroz, açúcar às gramas. "agora é tudo em pacotes". e, para mim, isso diz tudo. 
encontramos a Joaquina a vender tremoços que não resisto a comprar, a Diana, amiga de longa data, a quem dou um abraço gigantesco, e seguimos de dedo em riste para o prédio onde ela nasceu. eram 20, mas só 7 ainda estão vivos. não há pausas para pensar muito, seguimos a falar das casas de penhores que também recebiam a "roupa de domingo" à segunda feira e depois voltavam a comprá-la à sexta para a voltar a usar no domingo. 
gosto de a ouvir, gosto do ritmo dela, de ser guiada por ela. pergunta-me se estou a gostar porque isso é muito importante. sim, muito.
a ana madureira tem este dom que não é muito comum, o de olhar atentamente para aquilo que a rodeia e levar os outros a olhar também. mas, principalmente de tornar estas pessoas em protagonistas das suas próprias histórias, com o orgulho daquilo que já viveram. poder partilhar de um bocadinho destas vidas, é um privilégio.
deixarmo-nos guiar pelos outros é um acto de generosidade, de baixar as nossas defesas e entrar por territórios desconhecidos. sentirmos a pele do outro, e as camadas que se escondem à espera de ser descobertas, é ser-se humano, conhecedor de uma geografia fundamental para o nosso crescimento. 
agora, fecha os olhos e deixa-te guiar.

cf

Para saber mais sobre este projecto maravilhoso da ana madureira, visitem:
guia-me!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Coimbra, lado B.


Este fim de semana revivi o caminho de aveiro até coimbra, passando pela mesma estrada nacional que fiz vezes sem conta com o meu companheiro vilão. As memórias começaram a desfilar sem pedir permissão.


Durante muito tempo, só existia o lado A, ou seja, tudo o que circundava a universidade e a Praça da República. Depois, o tempo passou, levou-me a outras cidades e trouxe-me de volta para conhecer o lado B. 

Foi assim que aprendi a atravessar a linha de comboio que antigamente seguia até à Lousã, e a sentar-me nas cadeiras do Esquininha. Este café memorável, ficava, ora pois, numa esquina algures no Bairro Norton de Matos. Aí eram residentes habituais as senhoras das micro lareiras, cigarros que fumavam compulsivamente, dentro do café, numa tentativa de se aquecerem (diziam elas). Era também o local onde eu e o João, encontrávamos o Tó e o Daniel. Por vezes todos, outras vezes, só alguns. Comíamos tremoços, bebíamos finos ou favaítos, e ríamos. Sim, lembro-me de me rir muito e do riso deles que eram completamente contagiantes. Não me recordo das conversas, mas lembro-me dos vídeos que foram feitos lá. Parvoíces, mas daquelas parvoíces boas!

No lado B, morava também a Linda com a sua super gatinha Kitty. Sempre que conto a anedota do coelhinho lembro-me dela e das gargalhadas pela noite dentro. O apartamento nas águas furtadas, com as janelas perto do telhado onde se podiam imaginar mil gatos a passear para cortejar a Kitty. 
No fundo, acho que o lado de lá, marca uma passagem por coimbra adulta, mas ainda a tentar perceber em que direcção seguir.

Fiz estes biscoitos a pensar em Coimbra e, nem de propósito, a primeira pessoa a recebê-los é uma menina de cabelos encaracolados que também vive na cidade e gosta muito de gatos!

cf.,